A responsabilidade criminal das empresas sempre foi um assunto complexo a nível europeu. Cada país teve de desenvolver a sua própria legislação para garantir uma maior proteção jurídica neste âmbito. Em Espanha, após uma reforma do Código Penal espanhol, operada pela Lei 1/2015, de 30 de março - que ampliou uma primeira modificação introduzida em 2010 -, foi implementado o sistema de Corporate compliance.
Neste artigo, analisaremos brevemente os aspectos fundamentais dos mecanismos de compliance e a possibilidade que a sua aplicação oferece de atenuar ou isentar as pessoas colectivas de responsabilidade criminal em Espanha. Se tem uma empresa em Espanha ou está a pensar abrir uma, é essencial conhecer o sistema de compliance do país e as suas implicações legais para proteger a sua empresa de uma possível responsabilidade penal.
O SISTEMA DE CORPORATE COMPLIANCE DAS EMPRESAS
O artigo 31 bis.1 do Código Penal espanhol (CPE) estabelece que as pessoas coletivas podem ser criminalmente responsáveis quando as infrações são cometidas no seu nome, por sua conta e no seu benefício, de forma direta ou indireta.
O legislador espanhol, no mesmo artigo 31.º bis do CPE, previu igualmente a possibilidade de as empresas, em determinadas condições, poderem atenuar ou mesmo ser isentas dessa responsabilidade criminal. A essência desta oportunidade reside na implementação, por parte da pessoa coletiva, de um sólido sistema de corporate compliance. Trata-se de um modelo de organização e gestão cujo objetivo é permitir às empresas implementar programas de prevenção de riscos e evitar a prática de crimes dentro da sua estrutura.
Quem, melhor do que a própria empresa, pode identificar os riscos de comportamentos ilícitos no seu seio? Cabe-lhe então a responsabilidade de tomar medidas eficazes para os prevenir. Um bom programa de compliance que garanta o respeito pelas leis, normas internas e princípios éticos não só fortalece a cultura da empresa, como também pode agravar, atenuar ou mesmo isentar a empresa de responsabilidade criminal.
Conforme a alínea 5 do art. 31 bis do CPE, o protocolo de compliance implementado pelas empresas deve cumprir os seguintes critérios e objetivos:
- identificar os riscos criminais nas atividades da empresa;
- estabelecer protocolos e mecanismos adequados para a formação da vontade da pessoa colectiva, assegurando a rastreabilidade do processo de tomada de decisão e da sua execução;
- prever a gestão financeira através da implementação de modelos adequados para prevenir infrações.
- estabelecer canais de comunicação de eventuais riscos e incumprimentos ao organismo de controlo
- criar um sistema disciplinar que garanta mecanismos de sanção para quem não cumpra as medidas do modelo de prevenção.
- rever e atualizar periodicamente os protocolos de prevenção e, em caso de infrações ou de alterações na organização da empresa, modificá-los.
ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE PENAL DAS EMPRESAS
Para que a empresa, através do seu programa de compliance, possa ser isenta de responsabilidade criminal por infrações cometidas a seu favor (tanto de maneira direta como indireta pelos seus dirigentes, gestores ou trabalhadores), deve cumprir os critérios estabelecidos no artigo 31 bis do CPE.
A este respeito, há que distinguir dois casos:
- a infração foi cometida por empregados ou subordinados da empresa no exercício de atividades realizadas por sua conta: a empresa pode ser isenta de responsabilidade penal se, antes da realização da infração, tiver efetivamente implementado e aplicado um modelo de organização e de gestão destinado a prevenir infrações dessa natureza ou a reduzir significativamente o seu risco (artigo 31 bis.4 do CPE).
- A infração foi cometida pelos seus representantes legais, gestores ou qualquer pessoa com autoridade de decisão ou controlo dentro da organização: neste caso, o mecanismo é mais restritivo e devem estar reunidas quatro condições para que a empresa seja isenta de responsabilidade penal (artigo 31 bis, alínea 2 CPE):
- o órgão de gestão adotou um modelo eficaz de organização e gestão, com medidas de controlo e monitorização capazes de prevenir ou minimizar significativamente o risco de infrações;
- a supervisão destes modelos foi confiada a um órgão com autonomia e iniciativa em matéria de controlo interno, ao qual incumbe verificar se a sua aplicação é correta e eficaz (por exemplo, a um Compliance Officer); no entanto, no caso das pequenas empresas, esta função de controlo e supervisão pode ser confiada diretamente ao órgão de direção da empresa (art.31 bis.3 CPE);
- os responsáveis pela infração contornaram de forma fraudulenta estes mecanismos de prevenção;
- o organismo encarregado do controlo não foi responsável por omissão ou negligência no exercício das suas funções.
Pretende-se com esta norma evitar que as empresas possam beneficiar de condutas ilícitas e incentiva-se a implementação de mecanismos de compliance para prevenir riscos jurídicos e reforçar a cultura ética no seio das empresas.
A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS
De um ponto de vista prático, a aplicação da isenção de responsabilidade criminal às pessoas coletivas tem sido objeto de diferentes interpretações por parte dos tribunais espanhóis.
Em 2016, a Procuradoria-Geral da República espanhola (FGE), na sua Circular 1/2016, declarou que uma empresa pode ser completamente exonerada de responsabilidade penal se tiver um programa de compliance adequado e o aplicar corretamente. De acordo com esta abordagem, se a empresa demonstrar que tomou medidas eficazes para prevenir crimes, não terá de ser responsabilizada criminalmente pelas ações dos seus agentes.
No entanto, a jurisprudência tem adotado uma abordagem mais restritiva, como evidenciado nos acórdãos do Tribunal Supremo espanhol (SSTS 221/2016 de 16 de março e 154/2016 de 29 de fevereiro), que apenas concederam uma atenuação da pena, considerando que os programas de conformidade não tinham sido suficientemente eficazes ou corretamente aplicados.
ATENUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLECTIVAS
No caso de uma empresa não cumprir todos os requisitos de isenção, o legislador espanhol prevê, contudo, a possibilidade de atenuação da responsabilidade criminal (art. 31bis, alínea 2, 3 e 4 do CPE).
Efetivamente, o protocolo de cumprimento não é a única forma de uma pessoa coletiva atenuar a sua responsabilidade penal. O artigo 31 quater do CPE estabelece que as empresas podem beneficiar de circunstâncias que atenuem a sua responsabilidade criminal se, após a prática da infração e por intermédio dos seus representantes legais, adotarem determinadas medidas, tais como:
- Confessar a infração às autoridades antes de saber que existe uma ação judicial contra elas;
- Cooperar na investigação, fornecendo provas novas e decisivas;
- Reparar ou diminuir os danos causados antes da audiência;
- Estabelecer medidas eficazes para prevenir e detetar futuras infrações na organização.
CONCLUSÃO
Em suma, de acordo com o sistema espanhol, as empresa deve tomar todas as medidas necessárias para o evitar. Embora este sistema proporcione uma maior segurança jurídica, não garante uma exoneração total, o que significa que as empresas devem reforçar os seus controlos e os seus protocolos internos para minimizar os riscos. Um bom programa de compliance, que garanta o respeito pelas leis, normas internas e princípios éticos, não só reforça a cultura empresarial, mas também pode agravar, atenuar ou mesmo isentar a empresa de responsabilidade criminal.
Portanto, recomenda-se que procure o conselho de advogados espanhóis que estejam familiarizados com a legislação nacional e que tenham experiência em matéria de compliance.