A responsabilidade penal das empresas tem ganhado crescente relevância no direito espanhol, especialmente após as reformas do Código Penal. Para empresários portugueses que pretendem expandir os seus negócios para Espanha, é fundamental compreender o regime jurídico aplicado às pessoas coletivas.
Em Espanha, a responsabilidade penal das pessoas coletivas baseia-se no artigo 31.1 bis do Código Penal espanhol (CPE). Embora uma empresa, sendo uma entidade abstrata, não possua vontade própria, é considerada criminalmente responsável quando se demonstra que a prática de crimes foi facilitada ou permitida por deficiências nos seus mecanismos de controlo interno e de supervisão.
Neste artigo, analisaremos brevemente os aspetos fundamentais da responsabilidade penal das pessoas coletivas em Espanha, desde os delitos que podem ser imputados às empresas até aos requisitos necessários para que surja a sua responsabilidade penal.
INFRAÇÕES IMPUTÁVEIS ÀS EMPRESAS
Nos termos do CPE, as empresas podem ser responsáveis por uma série de infrações. Estas últimas podem ser classificadas nas seguintes categorias
- Infrações contra a integridade das pessoas e a saúde pública
São crimes que afetam diretamente a vida, a liberdade e a integridade física e moral das pessoas, constituindo ofensas aos seus direitos fundamentais e violando a dignidade humana. Trata-se, nomeadamente de:
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- tráfico ilegal de órgãos ou o seu transplante (art. 156 bis 3 CPE);
- tráfico de seres humanos (art. 177 bis 7 CPE);
- infrações relacionadas com a prostituição e a corrupção de menores (art. 189 bis CPE);
- infrações contra os direitos dos estrangeiros (art. 318 bis 4 CPE);
- infrações contra a saúde pública sob a forma de tráfico de droga (art. 369 bis CPE).
- Infrações contra a tecnologia e a propriedade intelectual
Estas infrações abrangem os comportamentos que atentam contra a vida privada, a proteção da informação e a defesa da criatividade, fundamentais na era digital. São:
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- crimes contra a privacidade e invasão de propriedade informática (art. 197.3 CPE);
- danos informáticos (art. 264.4 CPE);
- infrações contra a propriedade intelectual e industrial, o mercado e os consumidores e a corrupção privada (art. 288 CPE).
- Criminalidade económica e fraude
Trata-se de condutas criminosas que afetam a economia, através do engano e da manipulação nas transações financeiras, comprometendo a segurança económica das empresas e dos indivíduos. Trata-se então de:
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- burlas e fraudes (art. 251 bis);
- insolvência punível (art. 261 bis);
- falsificação de meios de pagamento (art. 399 bis);
- infrações contra o Tesouro e a Segurança Social (art. 310 bis);
- certos casos de contrabando (art. 3.3 da LO 12/1995, relativa à repressão do contrabando).
- Corrupção e crimes financeiros
Estes crimes comprometem a integridade das instituições e o bom funcionamento das administrações pública e privada, gerando distorções na concorrência e no mercado e facilitando o branqueamento de capitais e o suborno. São eles:
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- a recetação e o branqueamento de capitais (art. 302.2);
- suborno (n art. 427.2);
- tráfico de influências (art. 430);
- corrupção de um funcionário público estrangeiro (art. 445.2);
- financiamento do terrorismo (art. 576 bis).
- Infrações urbanísticas e ambientais
Estas infrações afetam o desenvolvimento ordenado do território e a saúde pública, violando as normas que protegem tanto a edificação legal como o ambiente.
- crimes de construção, edificação ou urbanização ilegal (art. 319.4 CPE);
- infrações contra o ambiente (arts. 327, 328.6 CPE);
- infrações relacionadas com a energia nuclear e as radiações ionizantes (art. 343.3 CPE);
- infrações que envolvam riscos de explosões (art. 348.3 CPE).
Esta diversidade de infrações sublinha a importância de as empresas disporem de mecanismos de controlo interno e de supervisão, uma vez que a prática de qualquer um destes actos pode ter consequências criminais consideráveis.
EXIGÊNCIAS DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Conforme os artigos 31 bis e 31 quinquies do CPE, para que uma empresa possa ser considerada responsável por uma infração, é necessário que se verifiquem determinados requisitos:
- É indispensável ter sido cometida uma das infrações definidas no Código Penal, que inclui expressamente a responsabilidade penal das pessoas coletivas.
- A empresa deve ter personalidade jurídica e ser suscetível de ser objeto de um processo criminal. Estão incluídas as pessoas coletivas privadas de direito civil e comercial. No entanto, estas estão isentas desta responsabilidade:
- o Estado;
- as administrações públicas;
- as entidades reguladoras;
- as agências públicas e as entidades públicas empresariais;
- as organizações internacionais de direito público;
- outras entidades que exerçam poderes públicos ou administrativos.
- A prática da infração (e a correspondente responsabilidade) deve ser imputável a determinadas pessoas ligadas à empresa, ou seja:
- os dirigentes da empresa;
- as pessoas autorizadas a tomar decisões em nome da empresa ou que nela tenham poderes de organização e controlo;
- as pessoas subordinadas à autoridade das duas categorias anteriores.
- Que a empresa não implementou um mecanismo de prevenção adequado contra os riscos de criminalidade inerentes à sua atividade.
A responsabilidade criminal das pessoas coletivas em Espanha é determinada pela conduta dos seus representantes e pela eficácia dos seus mecanismos de controlo interno. Os requisitos estabelecidos no artigo 31 bis do Código Penal são essenciais para determinar se uma empresa é criminalmente responsável por crimes cometidos a seu favor. A existência de um sistema de controlo interno robusto não só ajuda as empresas a prevenir a prática de crimes no âmbito da sua atividade, como também pode atenuar as suas sanções de natureza criminal (explicamos melhor aqui: o compliance e a isenção de responsabilidade criminal das empresas).
Por este motivo, é sempre aconselhável procurar apoio jurídico junto de advogados espanhóis especializados para garantir o cumprimento da legislação local.